quinta-feira, abril 14, 2005

O Anjinho

Havia a disputa de quem ela mais parecia, se com a mãe ou o pai. Os amigos “tucanos” afirmavam que tinha traços dos dois. A única coisa que todos concordavam era que a Carminha era um anjinho, parecia ter descido direto do firmamento para alegrar a casa de Horácio e Cidinha, seus pais. Loira, de olhos azuis, sempre um sorrisinho nos lábios, Carminha chamava a atenção por onde passava. Parece um querubim, exclamavam maravilhados os que cruzavam com ela no seu carrinho de bebê, sendo empurrada pelo pai orgulhoso. Nunca se irritava, chorava só em último caso, dormia bem, era o neném perfeito.

Sendo um programador de sistemas, Horácio acredita somente naquilo que pode ser traduzido para a lógica. Claro que olhava com desdém as manias esotéricas de sua esposa, chegada num horóscopo, espiritista amadora e praticante Wica. Ele nem se deu ao trabalho de ler o mapa astral que a Cidinha tinha encomendado a preço de ouro do melhor astrólogo de sua cidade. Mas se deixava ela feliz, ele não se opunha.

Um dia, Horácio estava a sós na cozinha, dando uma sopa de beterraba para seu xodó. Ela sentada na sua cadeira alta, própria para bebês, e ele a sua frente, numa cadeira mais baixa. Adorava esses momentos com a Carminha, seu anjinho. Nesse dia, o programador se lembrou de uma besteira que tinha ouvido da mulher. De acordo com ela, se fosse perguntado a uma criança novinha o que tinha sido antes de nascer, a criança contaria o que tinha sido na vida passada. Achava isso uma asneira, mas, por brincadeira, resolveu tentar.

Olhou a filha bem no fundo dos olhos azuis e perguntou: Carminha, quem era você antes da nascer?

O bebê fez uma cara séria e respondeu violentamente, com uma voz rouca e grave, que mais lembrava um cantor de banda de death metal escandinava: “Átila, o Huno!”.

Com o susto, Horácio cai para trás, a sopa derramando sobre ele, tingindo seu rosto de roxo. Seu coração disparado parece que vai saltar do tórax. Olha para cima e vê sua filha com aquela expressão angelical de sempre sorrindo para ele. Sua esposa entra na cozinha e se depara com a cena. Sinceramente, Horácio, diz ela, reprovando o marido.

Desde então, Horácio nunca mais passou um momento sozinho com a filha.

Um comentário:

Anônimo disse...

coitado do pai da garota hein?