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O ano era 1977, com tudo que isso simbolizava no Brasil: ditadura, censura, impossibilidade de importar coisas, dificuldade de obter informação. Boatos de que uns jovens da Inglaterra começaram um movimento cultural, voltado para os jovens, vendo o mundo como ele é, indo contra o atual establishment musical começavam a soprar em Brasília. Dois jovens Andrés, um Mueller, outro Pretorius, nem tinham ouvido ainda o som que era a bandeira do movimento, mas já gostavam do pouco que liam.
Para nossa surpresa, uma revista voltada para um rock insosso lança um LP chamado: Revista Pop Apresenta o Punk Rock. Era uma sexta-feira quando compramos nossa cópia. Fui passar a noite na casa do Pretorius, que na verdade era a Embaixada da África do Sul. Quando os pais dele foram dormir, saímos da parte de moradia do edifício e entramos na parte administrativa, totalmente às escuras naquele horário. Fomos direto para o escritório de embaixador, onde tinha um toca-disco.
Como o gabinete era longe de onde o restante da família estava dormindo, podíamos colocar na altura que quiséssemos sem atrapalhar ninguém. E ouvíamos alto aqueles primeiros acordes de God Save the Queen. Em seguida, Ramones, com Loudmouth (uma das primeiras músicas que tirei no baixo). Não acreditávamos o quão bom era, pura energia sonora! Duas pedradas seguiam, Jam, com In the City, e Eddie & the Hot Rods, com I Might be Lying. Foram momentos mágicos essa primeira ouvida. Se alguém acha que música não muda nada, não entendem de música, nem de humanidade.
Não sei quem fez a seleção musical, obviamente ninguém da revista Pop. Tinha Ultravox, Runways, London (boa múscia, nunca mais ouvi falar....) e a fraquinha banda francesa Stinky Toys. Não é que não conhecíamos esse som antes, mas as experiências anteriores foram umas fitas K7 que o Fê tinha mandado da Inglaterra, gravadas do rádio. Esse foi o primeiro contato de verdade.
Outra noite, surfando a net, achei um link para baixar o LP em MP3. Não perdeu a força! Vou atrás do LP original. Ouvindo novamente, me fez ver como a gente era inocente e isolado do mundo. Hoje, qualquer um pode ouvir qualquer música quando quiser. Não sei se terão uma lembrança dessas no futuro; “ah, o dia que eu baixei o primeiro disco do Oasis mudou a minha vida”. Não bebíamos, nem usávamos drogas. Era água, invasão de espaço alheio e punk rock! Ouvimos o disco dezenas de vezes, tirávamos as letras, escrevendo-as em papeis com o timbre da embaixada. Diversão pura!