sexta-feira, novembro 04, 2005

O Início do Rachamento do Concreto


Gravamos O Concreto Já Rachou no final de 1985. Fazíamos parte de um projeto novo da EMI que queria lançar um novo produto no mercado: um disco com menos músicas, que chegaria ao público mais barato. Só que esqueceram que aqui é o Brasil, onde impera a Lei de Gérson, ou seja, saiu um LP com menos músicas, que o lojista vendia a preço de LP normal. Em fim, entramos nessa junto com Zero, Lado B e Musik (acho). Só uma notinha, conseguimos graças ao apoio e força de duas pessoas fundamentais: primeiro, o Hermano Vianna, que divulgou a Plebe no Rio por meio de reportagens e, segundo, seu irmão, o Hebert.

Eu ainda estava na faculdade. Consegui um atestado que estava com uma terrível doença junto a um fãzão da Plebe que a gente conheceu no Rio, o Fábio Killing Joke. O Philippe recém saído do segundo grau, assim como o Gutje. O Jander já havia abandonado o colégio. Gravamos tudo em um mês, sempre à noite. Dormíamos de dia, no estúdio à noite. Todos engordaram horrores, pois a gravadora não dava diária, mas sim liberava o consumo de comida no hotel. Lembro-me do Jander e do Negrete, na época baixista da Legião, pedirem cinco milkshakes cada – de uma só vez! Inocentes, não sabíamos que a conta seria debitada de nossos royalties.

O disco saiu no começo de 1986. Os primeiros shows resultantes do lançamento foram uma comédia. Saímos todos animados para Salvador, seria o primeiro show fora do eixo Rio-SP-BSB, o primeiro por causa do disco, num tal de Teatro Villa Velha (ou será Vila Lobos?). Claro que deu tudo errado. O nosso roadie, o Freddy, estava fazendo a sua primeira viagem de avião, onde serviram feijoada (sim, nos anos 80s, serviço de bordo era legal). Encheu a cara de uísque e a barriga de feijoada. Acabou vomitando tudo nele e nos dois passageiros ao seu lado! O público compareceu em massa, mas os baianos, sempre eficazes, ainda estavam montando o palco, ligando os cabos, sem pressa nenhuma na hora marcada de abrir as portas. Resultado: furiosos, os roqueiros baianos (são os mais revoltados – imagine morar na Bahia, gostar de rock e ser obrigado a agüentar axé!) derrubaram as imensas portas, passaram literalmente por cima dos seguranças e lotaram o teatro. Fizemos o show sem passagem de som e sem estar tudo pronto. Mas valeu, até hoje encontro gente que esteve lá e descreve a noite como “memorável”.

Depois fomos tocar em Marataízes, Espírito Santo. Esse estado dá um azar danado para a Plebe. Toda vez que tocamos lá algo dá errado, muito errado. Fomos quase lixados uma vez lá, mas isso é outra história. O show era um festival de rock. Quando chegamos, não havia mais hotéis, botaram a gente no Motel Surf, onde a cama era cimentada no chão! Pedi uma batata frita em saco e o cara respondeu que lá só havia saco de outro tipo. Philippe e eu num quarto de motel de segunda, foi uma noite terrível. Antes da gente, uma banda metal que fazia homenagem à intragável Janis Joplin. Fomos subir no palco, que tinha uns dez metros de altura!, bem de madrugada, e ainda perdemos o avião para o Rio, nos obrigando a ficar um dia inteiro no aeroporto de Vitória.

Na época pensei para mim mesmo: se isso é o que é ser roqueiro, vou voltar à faculdade. Mas as coisas melhoraram. Partimos para uma maratona de shows por todo o país. O Concreto estourou e o resto é história.

quinta-feira, novembro 03, 2005

A turnê de Nunca Fomos Tão Brasileiros

Dizem que o segundo disco de uma banda é um marco especial, é o teste, o divisor de águas que a indústria usa para ver se vale a pena investir mais, ou abandonar como peso morto. A Plebe vinha de uma temporada vitoriosa: dos mini-LPs lançados pela EMI, foi o que mais vendeu, indo a disco de ouro. Duas músicas estouradas nacionalmente: Até Quando Esperar e Proteção, além de uma turnê non-stop por todo território nacional. O ano era 1988 e acabávamos de lançar Nunca Fomos Tão Brasileiros.

Esse era um disco muito especial para nós, pois seria o primeiro álbum mesmo, ao contrário do primeiro, que era um mini-LP, e apresentaríamos as primeiras músicas compostas na estrada, fora de Brasília (A Ida, Nada e Mentiras Pro Enquanto). O Naldo, nosso empresário veio com uma notícia ótima: tem um empresário de São Paulo que quer fazer uma turnê do interior de São Paulo, trinta dias na estrada, um monte de shows. Ficamos eufóricos! Viajar num ônibus próprio – coisa rara nos 80s – tocando em várias cidades, uma turnê organizada. Vamos nessa!

A turnê começou em Brasília, depois descemos até Uberlândia, onde começou a sair dos trilhos. Por alguma razão, ficamos cinco dias parados nessa cidade mineira, no hotel, sem porra nenhuma para fazer a não ser jogar bola e dormir. Ninguém dava nenhuma informação do que estava acontecendo, de quando seria o próximo show. Finalmente, prosseguimos. Entramos em São Paulo e saímos tocando. Só que a gente chegava nas cidades e não tinha divulgação. Conseqüentemente, os shows estavam vazios. Tinha lugar que nem cartaz na rua tinha! A gente começou a achar muito estranho.

A equipe do contratante era muito esquisita. Tinha um tal de Hércules, cujo nome a gente usou para apelidar a turma de Herculóides. Quando entravam no ônibus a gente gritava “Os Herculóides”, igual no desenho animado. E cada um tinha seu apelido, que também era gritado quando apareciam: Zandor, Tundra, Blip, Blop, etc. Eles não tinham a mínima idéia do que a gente estava falando, preferiam ficar quietos e nos taxar de excêntricos.

Depois de vinte e oito dias, retornamos frustrados ao Rio. Resultado: ninguém ganhou nenhum dinheiro, pois o cara alegou falência! Aliais, o único que recebeu alguma coisa foi o Gutje, que conseguiu um adiantamento logo no começo para pagar uma geladeira. O Naldo ainda tentou processar o cara, mas vocês conhecem a justiça brasileira, não? Ele passou todos os bens para o nome da mulher e não deu em nada. Eu acho que ele nos usou para lavar dinheiro, ou então embolsar alguma grana de patrocínio.

O primeiro mês de um disco é fundamental, pois a divulgação feita nesse período empurra as vendas e nas rádios. E onde estava a Plebe? No interior de São Paulo, tocando a troca de nada, sumido da imprensa, das TVs. Nem os shows serviram para divulgar alguma coisa, pois tocávamos sem ninguém saber que estávamos na cidade. Foi um desperdício. E imaginem os ânimos da banda, as diferenças ficaram mais fortes, a tensão aumentando a cada show frustrado, a cada cachê zerado. Mais um capítulo de “o que não fazer no rock em roll”.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Erros do Passado.

Uma pergunta que fizeram no blog me fez pensar um poucado sobre a atuação da Plebe no passado. Essa deve ser a banda que mais cometeu erros do rock nacional! O Philippe até brinca, porém sério, em lançar um livro chamado: “O que uma banda de rock não deve fazer” e contar tudo que a Plebe fez. Foram muitas trapalhadas e pisadas na bola que nos colocaram na lista negra das gravadoras, rádios e muitos ouvintes. Só para citar alguns, listei as cinco piores erradas da gente nessas mais de duas décadas de carreira.

1. Dar trela ao Gutje e à mulher do Gutje. Quando a EMI nos chamou para gravar o mini-lp, o Gutje estava casado com a Helena. Ele fazia de tudo para enfiar ela na equipe da Plebe. Queria até que constasse do contrato que ela fazia parte da banda. Queria que a gravadora pagasse a estadia dela no Rio enquanto a gente gravava O Concreto Já Rachou! E conseguiu! Isso saiu de nossos royalties! Ela se nomeou para ser a produtora gráfica do disco. Até hoje morro de vergonha quando leio os créditos de Sexo e Karatê, indicando nos vocais a “Fernandinha da Blitz” e não Fernanda Abreu!
2. Ter feito a reunião para tirar o Jander. Essa também tem a ver com a primeira. Quando cheguei na reunião, convocada pelo Gutje, estavam lá o Philippe e, pasmem, a Helena! Que votou como membro da banda!!!!! Aquilo foi muito mal conduzido. Nunca chamamos o cara para conversar, para ouvir o lado dele. Foi uma decisão radical num momento de desespero.
3. Quando a gente gravou o primeiro disco, a nossa empresária, que batalhou muito pelo disco, era a Camila. Assim que o disco sai, recebemos um convite para dar um ponta-pé nela e ser empresariado pela Fernanda, mulher do Dado, Savala, técnico dos Paralamas, e Naldo, amigo da Legião. O Philippe e eu queríamos ficar com a Camila. O Jander e o Gutje ansiosos por ficar com esse trio. Foi um racha logo numa época na qual a banda tinha que ficar muito unida, álbum recém lançado, mudança para o Rio, etc. Fomos convencidos pelos dois, mais para não acabar com a Plebe num momento tão delicado. Resultado? A Fernanda cai fora, o Savala também e ficamos com o Naldo. Talvez com a Camila, que já conhecia a nossa história e conseguia não se dobrar pelas exigências do Gutje, tivéssemos mais união e trabalho de equipe.
4. Recusar ir para a Warner. Depois do estouro do Concreto Já Rachou, nosso contrato com a EMI nos permitia escolher ficar por mais dois discos ou rescindir sem nenhuma penalidade. À época, a Warner nos fez uma excelente proposta, inclusive financeiramente falando para a gente assinar com eles. Pecamos por sermos fiéis à EMI, recusamos o convite e deu no que deu. A EMI perdeu o interesse na Plebe depois do Concreto. A Warner, pelo menos, teria se esforçado um pouco mais para recuperar o investimento.
5. Ter gravado o disco ao vivo sem fazer uma lavagem de roupa suja antes. A gente voltou e em um mês gravamos o disco. Não planejamos nada, não botamos os pingos nos i’s, não resolvemos as diferenças do passado. Resultado: cada um foi ficando mais amargurado com o outro. Não sabíamos o que queríamos, tanto é que a gente permitiu que o disco fosse gravado num estúdio, não num lugar de show. Nem tocamos antes para testar o repertório. Poderia ter sido um estrondo bem maior. Acabou sendo um tiro no oceano.

Mas, como diz uma música do CD novo: “se eu soubesse antes, faria tudo de novo”. Será?