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Naquele dia, matei as aulas de arquitetura na UnB, pois a ansiedade não me deixava concentrar em mais nada. Sei lá se o Philippe e o Gutje foram para suas respectivas escolas. Tenho certeza que o Jander não foi, pois ele já tinha abandonado definitivamente os estudos. O ano era 1983 e, naquela noite, a Plebe ia enfrentar uma viajem de 12 horas de ônibus até São Paulo para tocar uma noite no Napalm e outra no Rose Bom Bom.
Quem tinha armado o show foi a Fernanda, que havia começado um namorico com o Dado, da Legião. Estão casados até hoje. Ela tinha acertado tudo com a Astride, que era auxiliar de nossa empresária, a Camila. Até hoje não sei porque a necessidade de ter uma assistente, já que o trabalho era pouco, mas tudo bem. Não que a Astride fizesse grandes coisas. Logo se enroscou com o Nasi e desapareceu, nos deixando para resolver as coisas sozinhos.
O show no Napalm foi histórico. Era a última noite da boate, que ia fechar. Estava lotado. Conhecemos o Clemente, o João Gordo, entre outras figuras. O Philippe estava inspiradíssimo, com seu topete até o queixo. Até que o garoto tocava bem quando bebia! Deixou que o público tocasse sua guitarra enquanto ele segurava os acordes no braço. O Jander, na época careca e forte, chamava muita atenção. No meio do show, deixo a palheta cair perto dos meus pés. Vejo uma mão se estender para pegá-la. Quando toca na palheta, dou um pisão, esmagando os dedos do ladrão. Era o Branco, dos Titãs! He he he, lembro a cara de dor do maluco até hoje!
Depois foi uma socialização nota dez com a nata do punk e new wave de São Paulo. Nem precisávamos de bebida, pois a excitação de encontrar outros como nós era suficiente para nos deixar altos. Até perdi minha correia de baixo, que tinha feito na aula de artes no último ano do colégio. Era de couro e tinha umas caveiras pintadas. Anos depois, vejo ela nos ombros de alguém do Ultraje.
A noite terminou em tom trágico, com os metaleiros invadindo o Napalm para dar porrada nos punks. Nos refugiamos no camarim, que tinha as paredes de madeira e tremiam com a porrada que rolava no lado de fora. Quem se esconde lá com a gente? O João Gordo. Chegamos para ele e perguntamos: você gosta de ska? Ele nos prensa contra a parede e responde: gosto, mas se espalhar, dou porrada. Vi uma cadeira ser quebrada em cima de um cara. Não era igual nos Trapalhões, onde a cadeira quebra e o cara fica legal. A cadeira ficou inteira, o cara desmaiado no chão. Foi barra, mas, na retrospectiva, foi excitante, legal, quebrou a monotonia do planalto central.
Ficamos na casa de um oriental, amigo do indiano Hefter, que veio de Brasília com a gente. Apelidamos ele de Vietcong. Ele ficava fora o dia todo, e a gente dormindo nos sofás, no banheiro, no colchão. Quando ele chegava, a gente ia para a rua. Para o Carbono 14, assistir vídeos do Pil, dos Cramps. Chegávamos em casa quando o Vietcong estava saindo para o trabalho. Depois do show do Rose Bom Bom, tomei um porre de Gim com limonada. Quase morri. Tomando banho na casa do Vietcong, fiz uma lambança, xampu para tudo quanto é lado. A Astride aparece para pegar o ônibus de volta, dá-lhe Nasi!
Isso foi pré-MTV, quando o DDD era caríssimo! Era destino a gente encontrar esse pessoal de São Paulo. Depois tiveram outros shows, outras aventuras. Mas essa foi a melhor.