sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Roubada 3: Playbacks no Subúrbio Carioca

Essa roubada até que era lucrativa – se a banda voltasse viva para casa. Funcionava assim: as bandas que tinham sucessos nas rádios, no começo dos anos 80s, eram convidadas a fazer playbacks em bailes no subúrbio carioca. Havia uma espécie de máfia que tinha a concessão de fechar as datas. A banda chegava no local, subia no palco com os instrumentos em mãos, o DJ colocava o disco, vinil mesmo que, a banda trazia em mãos, e os músicos fingiam tocar e cantar para uma platéia que ficava olhando. Numa noite, era possível fazer várias casas e ganhar uma boa grana.

Acontece que o subúrbio carioca é barra pesadíssima. À noite, até ladrão tem medo de sair sozinho. Os locais dos bailes eram sinistros, umas construções sem acabamento, galpões cinzas e escuros. Dentro, um público mais interessado em dançar seus funks-malboros do que ouvir a Plebe – nem sei porque éramos contratados, desconfio que os caras que fechavam os playbacks empurravam um monte de banda para ganhar a sua porcentagem. A gente subia no palco e tiravam o sonzão bate-estaca que estava divertindo a multidão. Já olhavam feio para a gente. Daí fingíamos tocar Até Quando, Proteção, Censura e Nunca Fomos (eram sempre quatro músicas). Terminávamos, o funk voltava e a turma continuava a dançar. Entrávamos no carro e lá íamos para outro baile.

Na noite, cruzávamos com outros artistas – Biquíni Cavadão, Legião, Leo Jaime, etc. – que estavam na turnê daquela noite. Trocávamos idéias: porra, o baile em Nilópolis deu tiro! O playback em Madureira acabou em porrada. Os seguranças em Ramos roubaram a guitarra do Hojerizah. Repito, era sinistro. Vimos corpos estendidos no chão com jornal cobrindo, uma vela acessa na cabeça. Vimos meninas serem semiviolentadas em frente ao palco. Vimos traficantes com armas apontadas para a gente. A sensação era que chegar vivo na Zona Sul já seria uma benção.

Tinha ainda o detalhe do transporte. O pessoal da máfia, que fechava as datas, providenciavam um carro, normalmente um Opala, para levar a banda. No nosso caso éramos quatro, mais o empresário, mais o motorista – desconfortável para burro! Ah sim, mais os instrumentos. O Gutje só levava uma caixa e prato, tocava de pé mesmo. Como era um baile após o outro e a intenção era fazer vários na mesma noite, terminando uma apresentação, enfiavam a gente no carro e, em velocidade máxima, íamos para a próxima. Isso significa rodar pela Avenida Brasil, à noite, a mais de 140 quilômetros por hora. Parecia que estávamos fugindo da polícia. Qualquer acidente seria mortal.

Uma vez, ao tentar ultrapassar um caminhão na Via Dutra, a lateral do carro foi literalmente rasgada em dois, pois raspou na roda do veículo. E o show não podia parar! Fomos em frente mesmo com o Opala danificado. E quando pegávamos motoristas que bebiam (ou pior!)?

Artistas também faziam playback. O Ronaldo Golias uma vez capotou e quase morreu. Dizem que ficou atordoado no meio-fio murmurando: “é muita ganância, é muita ganância.” Uma vez o Biquíni fez um playback durante uma tempestade. O teto do baile estava furado e uma goteira pingava em cima do disco, que pulava o tempo todo. Foram vaiados. Quase linchados.

Playback era também moeda de troca para jabá. Por exemplo, para aparecer no Chacrinha, tinha que fazer uns playbacks para seu filho, que ficava com toda a grana – nada para a banda.

Será que existe isso ainda? Bem que poderiam levar os Stones ou U2 para uma rodada de playbacks no subúrbio carioca. Afinal, o Bono não gosta de povo?

15 comentários:

Anônimo disse...

Por curiosidade, em $$$ de hoje, quanto dava para tirar numa noite daquelas??

André Mueller disse...

tipo, se uma banda de quatro fizesse uns dez playbacks numa noite - coisa muito cansativa - tirava, naquela época, uns milzinho dólares para cada um.

Anônimo disse...

NAQUELA ÉPOCA VALIA A PENA SE ARRISCAR NÉ

André Mueller disse...

Cícero, acho que sempre vale a pena arriscar - desde que vc saiba o que está em jogo e as consequências do acerto ou do erro. Essa é minha filosofia de vida.

Anônimo disse...

PQP, quer dizer que o Leleco Barbosa enchia o panelão de grana dessa forma... Eu não sabia... Quais eram os outros? Pode citar nomes ou o risco é grande? :D
Agora... Imagina fazer isso hoje em dia, kkkkkk!!! Pensa nisso... Levar o CPM 22, Detonautas e outras @#!& pra um bailão funk lá em Duque... Na hora do funk!!!

Anônimo disse...

Verdade, André!
Cheguei a ver vcs fazendo playback no Jacarepaguá Tênis Club, da Praça Seca!
Na época, o Jander já não estava mais na banda.
Realmente, nessa noite, me lembro que tive que aturar vários "batidões" e a rapaziada era sinistra.
Ah, agora entendo pq vcs saíram no pique, iam agitar outro(s) "baile(s)".
Abs.

André Mueller disse...

Fala, Marcelo! E vc era um daqueles que ficava puto quando o funk parava? Abraço, amigo!

F3rnando disse...

O CPM e o Detonautas hoje se vendem pro Tutinha, o Leleco Barbosa da Jovem Pan.

Anônimo disse...

poxa cara, pelo visto nao tinha coisa melhor pra fazer nessa epoca

era isso ou nada?

Anônimo disse...

Que é isso, André! Eu no funk! kkkk
Eu cresci na Taquara, Jacarepaguá, e, acredite, essa foi a única vez que eu fui ao Jpa Tênis Club, justamente para vê-los.
Ah! nesse dia, além das quatro músicas que vc citou, rolou, também, A Serra!!!
Abs.

Anônimo disse...

putz! é cada uma hein André!!, pô quantas coisas aconteciam por debaixo dos panos, até na música!!, tenho a mesma dúvida que vc, será que hj em dia acontecem coisas do tipo??? daqui há alguns anos o charlie brown, cpm ... explicam isso.

"Há algo de estranho no subterrâneo"

Anônimo disse...

Vocês seriam bem mais famosos hoje se tivessem morrido numa dessas empreitadas.
Sad, but true.

Anônimo disse...

já foram chingados num desses bailes funks?

Anônimo disse...

Beleza André,

Essa prática existe até hoje, claro, explorando o rítimo do momento ( Funk, Pagode, lambaeróbica ... ). Os funkeiros aliás são explorados há décadas.

Pro Rock hoje em dia anda difícil pois não há uma rádio que divulgue bandas como havia a Fluminense naquela época. A rádio Cidade é jabá puro com meia dúzia de músicas se revezando na programação, sendo a maioria gringa. E a grande massa só ( curte ) o que é massivamente tocado nas rádios e programas populares de tv.
Lembro que nos 80s tinhamos bandas de rock o tempo todo no Chacrinha, Globo de Ouro, Raul Gil, Rádio 98, Transaméria, Cidade no esquema "main-stream" e a Flu no dando espaço ao underground.
Havia também mais espaços para as bandas tocarem.

P.S.: Nos anos 80 não cheguei a assistir nenhum show playback. Cheguei a assistir a Plebe em Nova Iguaçu e no Circo, Cólera, Ratos, etc...
Já nos 90's tive o desprazer de assistir o Cidade Negra em Campo Grande. Playback é horrível de assistir, mas pra banda, como você falou, é mesmo uma boa.

Um forte abraço.

fabiopires disse...

Olá André,
Gostaria de saber como é analisar um ídolo que, como foi entrevistado por você (Johnny Ramone), admirou tanto Ronald Reagan a ponto de ter discussões e alguns problemas de relacionamento com o próprio Joey por causa de sua visão política.Temos um exemplo do Sr. Kazan, aclamado diretor de filmes como "Assim caminha a humanidade" e outros, que contribuiu para a denúncia de atores e atrizes supostamente comunistas da Hollywood da década de 50 e que se transformou num diretor odiado pelo resto de sua carreira.
É possível, guardadas as devidas proporções com Elia Kazan, dentro do rock haver espaço para gostos políticos de direita e admiração a certos líderes??